sábado, 28 de maio de 2011

Feminista on the road

Pensamento do dia, enquanto termino uns trabalhos, coloco louça na lavadora e começo a pensar no que levar na próxima viagem:
Uma mulher moderna viaja sozinha, se for o caso, vai até o fim do mundo se quiser. Mas precisa saber levar apenas aquilo que pode carregar. Deve pensar em escadas rolantes desligadas, em edifícios sem elevador, em translados de aeroportos a trens. Deve prever dias cansados nos quais uma mala ganha realmente a conotação de "mala", fardo, porre.
Uma feminista elegante vai a Paris de mala de mão, com um espacinho vazio para trazer, talvez, um sapato lindo ou um vestido idem. E alguns cosméticos, porque ninguém é de ferro e lá temos Lush, marcas orgânicas, creminhos naturebas gregos.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Aveiro

Aveiro para mim faz pensar em doces de ovos. Meu ex-cunhado adorava (adora, penso, só que não é mais meu cunhado), comia num vidro sextavado, às colheradas. F., uma amiga-de-infância que fiz em Paris em dezembro, mora lá e sabendo da minha passagem por Portugal, me convidou para um final de semana. Difícil então separar Aveiro da hospitalidade calorosa. Ao chegar, uma mesa com mil delícias e... uns pasteizinhos com recheio de ovos mole, uma maravilha.
Aveiro é dominada em seu centro por uma ria, o que faz com que alguns a chamem de Veneza de Portugal. Tolice. Veneza é obra única, irrepetível, nem tudo que tem água ou canal vira Veneza. Uma ria, aprendi recentemte, é um pedaço de mar que entra pela terra, então o charmoso trecho d'água que corta Aveiro é de água salobra e segundo os moradores, às vezes cheira e muito. Bom, Veneza também...


Aveiro é uma graça. Um pouco como Coimbra, tem uma população estudantil enorme, que incide mesmo sobre a cara da cidade, enche suas ruas. E tem supresas. Vou revelar duas.
A cidade é cheia de casas art-nouveau, ou como dizem por lá, "arte nova". Ainda hei de entender a razão do estilo ter agradado por lá (sempre há uma razão), mas contento-me em mostrar algumas, a maioria bem restaurada, e todas com plaquinhas indicativas no chão, explicando o que aquele imóvel foi um dia.




F., sabendo de algumas manias minhas, me levou para conhecer uma vila operária cuja fábrica ainda funciona. Ainda funciona é modo de falar. É uma super fábrica de louça, que faz de faiança brasonada (credo, caretice tem limite) até peças contemporâneas, o que inclui algumas desenhadas pelo meu ídolo Álvaro Siza Vieira. Ainda bem que fui num domingo e a lojinha estava fechada, ou teria um rombo no saldo bancário e um problema para carregar peças frágeis pelo comboio e depois no avião. Ainda bem, nada! Queria é voltar lá e comprar tudo que fosse branco e feito pelo Siza.
A lojinha fechada, mas o museu aberto, e pude entender a evolução do fabrico da porcelana, desde as primeiras, passando pelas decalcadas (parecia capítulo de livro do Adrian Forty) e passando pela... Arte Nova!! Que tanto isso pegou por lá, ainda hei de descobrir.


O site da fábrica com detalhes sobre a vila:
http://www.vistaalegreatlantis.com/contents.aspx/11/A%20F%C3%A1brica/

Ah, além dos docinhos, Aveiro é a terra do bacalhau. Posso dizer que isso é a mais pura verdade.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Atira-te!!!

Dizem que Lisboa tem apenas 600 mil habitantes. É pouco pros nossos padrões urbanos. Aqui, cidades do interior podem ter um milhão, e são vistas como cidades médias. E algumas são mais sem-graça do que xuxu sem tempero.
Lisboa é na medida. Os tais 600 mil estão espalhados de modo a formar uma mancha grande, mas a cidade tem uma desejável densidade urbana. Os milhares de prédios baixinhos quase nunca são interrompidos por espigões a perturbar a paisagem. Há lindos parque e praças e muitas das ruas -- com seus nomes maravilhosos -- são bastante arborizadas.
Ou seja, Lisboa na primavera é tudo.
Não tem aquele excesso de estímulos de cidades como Londres, Paris ou Barcelona, mas tem uma oferta cultural e comercial de fazer inveja. Museus incríveis, muitos cinemas -- embora o decréscimo de salas de rua também por lá se faça sentir -- cine-teatros, teatros, além de alguns bairros boêmios.
Passei uma semana feliz feito pinto no lixo pesquisando na Biblioteca de Arte da Gulbenkian, e já falei de seu café e seus jardins. Nos intervalos, passeava.
Uma noite, fui jantar, em companhia de amigos queridos no Atira-te ao Rio, passeio que vale por todas as etapas. Descendo do metro no Cais do Sodré, toma-se o barco que atravessa o Tejo. Do outro lado, é preciso caminhar um pouco por uma ruazinha entre o rio e edifícios em ruínas, sem muita iluminação. Problema nenhum, todo mundo lá faz isso. Ao chegar, literalmente, um restaurante cuja janela toca as águas do Tejo. E a comida é ótima, moderna, um diálogo entre nossas tradições culinárias e a dos amigos portugueses. Por exemplo: bolinho de bacalhau com mandioca, de comer de olhos fechados. Como sói acontecer por lá, é barato se comparado ao que se gasta para comer -- comer bem e comer mal -- numa cidade como São Paulo.
Na volta, a caminho do barco, mezzo embriagada e feliz, atravessei o caminho iluminado apenas pela lua crescente e pelas luzes de Lisboa que refletiam do outro lado. Dava pra ver pontos da cidade como o Castelo São Jorge, a baixa e, claro, a ponte 25 de abril, minha preferida (pela data e por parecer a Golden Gate de São Francisco).
A vontade era mesmo de me atirar.
Vá lá: http://www.atirateaorio.pt/
Atirar-se ao Chiado, aos caminhos beira-rio, ao bairro de Alcântara, às inúmeras ruelas e aos muitos becos com arcos.
Na dúvida, atira-te à Lisboa.




terça-feira, 17 de maio de 2011

Coimbra

Algumas cidades padecem da proximidade de cidades muito interessantes, então passam meio que desapercebidas, subestimadas. Lembro que quando viajei pra Valencia, na Espanha, muitos me disseram que a cidade não tinha a menor graça. Ledo engano: Valencia tem um casco viejo pra ninguém botar defeito, uma vida de rua intensa, museus que fariam a alegria de muita cidade brasileira, mas... como competir com Madri, Barcelona, Sevilha?
Coimbra é um pouco assim. Fica entre Lisboa e Porto, duas grandes cidades. E não tem o charme passadista de Óbidos, por exemplo.
Mas é muito legal. Uma amiga diz que Coimbra não é óbvia, não se ama de cara. Tem uma geografia meio esquisita, como que partida entre altos e baixos. Mas é uma delícia se perder em suas ruelas. Acho que nunca fiz o trajeto entre a Alta e a Baixa pelas mesmas ruas. Sempre descubro um ângulo novo, uma casinha na qual não havia reparado, algo para ver.
Tem 120 mil habitantes, mas cerca de 30% desse número é composto por estudantes que ganham as ruas com suas becas pretas como bandos de pássaros. E muitas das casas na zona mais antiga são repúblicas -- há uma verdadeira cultura dessas residências compartilhadas.
A universidade, no alto, domina a colina. Entre seus feiosos edifícios do período de Salazar, que trazem mesmo as marcas de uma arquitetura fascista, temos a parte velha da mesma. A biblioteca joanina é imperdível, com suas estantes de jacarandá, pau rosa e adornos de ouro, muito ouro. Em uma viagem para lá, creio que em 2006, um colega brincou que estávamos em missão de repatriação do patrimônio brasileiro e a senhora que cuidava da biblioteca entrou em pânico -- pois é um pouco verdade que os portugueses não são muito afeitos ao duplo sentido ou às brincadeirinhas verbais.
Descendo da universidade, passa-se pela igreja da Sé, por um museu arqueológico, casinhas e mais casinhas, ruelas e mais ruelas, chega-se à baixa e com uma breve caminhada estamos no rio Mondego. Beleza de rio, de onde podemos ver o convento de Santa Clara e, infelizmente, as luzes de um centro comercial (como eles chamam os shoppings) com seus neons a perturbar uma paisagem que de resto seria perfeita.
Meus amigos que lá residem consideram a cidade limitada, um tanto conservadora. Sim, uma cidade pequena, triste sina, sempre falta algo. Mas sobra em céu azul e surpresas. Não se deve passar de Lisboa ao Porto sem saltar do comboio em Coimbra.
E mais: come-se bem por ali. Come-se bem em Portugal como um todo, e por muito pouco se comparamos com os restaurantes brasileiros. Mas em Coimbra come-se especialmente bem. Uma tasquinha melhor do que a outra.
E quem por lá estiver deve alugar um carro por um dia e passear em Cunímbriga, sítio arqueológico que data da ocupação romana. Para quem, como eu, aprecia mosaicos, é de enlouquecer.


domingo, 15 de maio de 2011

Rodar mundo afora e nada aprender, ou: existe um cosmopolitismo de quinta

Viajar é bom e perturbador, pois muitas vezes o que vemos de novo nos desloca.
Mas o objetivo desse breve post não é a vã filosofia dominical. Passei dias em Portugal andando e muito, pegando ônibus, metrô, comboio e taxi barato. E no meio da minha viagem, a bomba: cancelada a estação Higienópolis do metrô, atendendo à reivindicação de 3500 moradores que enviaram (ao governador, à Cia do Metrô?) um abaixo-assinado. Um abaixo-assassinado, eu diria, que quer matar sem dó a chance de uma cidade mais pedestre, acessível, humana.
O povo do Higienópolis viaja. Tem gente que certamente acha lindo pegar metrô em Londres, Nova York ou Paris -- excluo Roma com seu metrô risível. Gente que não se dá (ou melhor, deve se dar) conta de que no 16ème, bairro pra lá de chic de Paris tem ônibus, metrô e RER, ou que se anda de metrô no East Side. Gente cujos filhos andam de transporte público pela primeira vez ao fazerem intercâmbio. Etc. Etc.
Assim sendo, por que e para que viajar? Para depois dizer que lindo, no primeiro mundo tudo funciona?
Haja paciência, e a minha anda por um fio.
Ainda bem que o mundo não é coeso e que nessa cidade em que vivo tem gente cosmopolita de verdade. Tão cosmopolita que faz churrasco na avenida linda do bairro "nobre". Que topa o conflito. Sim, pois passear mundo afora também é pra ver conflito.
Vi muita manifestação em outras cidades.
Obrigada, churrasqueiros diferenciados. Só não compareci porque estava na ensolarada Lisboa, onde os "recibos-verdes" saem às ruas em protesto, onde a crise é debatida em cada tasca.
A imagem abaixo eu tirei a esmo da internet. São várias, maravilhosas.
E um protesto solitário contra as touradas no Chiado, mais um protesto bonito a favor dos sans-papier que tive o prazer de ver em Paris.


terça-feira, 3 de maio de 2011

Em Lisboa, a imperdível Fundação Calouste Gulbenkian

Semaninha em Lisboa, pesquisando. Na verdade, trancada numa biblioteca. A muitos pode parecer um mico ou pior, um castigo.
Só que eu adoro um arquivo e uma biblioteca, não apenas porque faz parte do meu trabalho e é trabalho bom. Porque sou viciada mesmo. Sinto uma alegria genuína quanto encontro uma informação interessante, algo que faz pensar.
E quando a biblioteca é a Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian tudo fica melhor ainda. Ali eu encontrei uma obra rara que precisava ler. Quando canso, dou uma pausa no café que, além de servir coisas deliciosas a um preço pra lá de honesto (em tempo, Lisboa está muito mais barata do que São Paulo), tem vista para um lindo jardim.
Bacalhau com espinafre e feijões verdes por módicos 10 euros, que tal?
Já me vislumbro amanhã continuando a pesquisa e olhando o jardim enquanto tomo um capuccino e penso na pesquisa.
A Gulbenkian é uma pérola em uma cidade que é maravilhosa, na medida. Tem eventos quase diários, exposições muito bem curadas (sempre que uso essa palavra penso em queijo), concertos interessantes. E um baita jardim lindo.
Foi lá que, em janeiro do ano passado, eu vi uma exposição sobre a exposição de artes decorativas de 1925 em Paris. Boa, impecável: foi ali, naquela manhã gelada que eu entendi o que era Art Déco.
Vale a visita, nem que seja virtual:
http://www.gulbenkian.pt/langId1.html
Ah, e tem a lojinha... com uns brincos que ficaram piscando pra mim, e um anel que dizia "take me home with you".
Pra completar, estou hospedada na casa de amigos adoráveis, acolhedores, que vivem a walking distance da Gulbenkian. E uma caminhada pelas ruas de Lisboa na primavera sempre tem seu valor.
Nice. What a perfect day, Lou Reed.