quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Ainda no Chile: a memória difícil

Em 1995 conheci Berlim. O muro havia sido derrubado há poucos anos, a cidade parecia um canteiro de obras, e eu ali no Hotel Hilton, chiquérrimo em meio ao que tinha sido a parte comunista da cidade. Findo o congresso, entrei num tour pedestre por aquele lado da cidade. A guia era uma estudante de história e nos conduziu por edifícios com marcas de bala, ruínas, pequenos memoriais que lembravam a ausência de pessoas ou de livros - este, defronte ao que foi um dia uma biblioteca incendiada pelos nazistas. Quando chegamos a uma escultura de Käthe Kollwitz, uma mãe com o filho adulto morto nos braços, chamada pelos berlinenses de "Pietà", eu já estava rendida. Era um domingo ensolarado e eu voltei pro hotel totalmente perturbada. Anos depois, foi o que de mais forte ficou de Berlim.
Isso voltou à baila em Santiago depois de visitar o Museo de la Memoria y de los Derechos Humanos.
Inaugurado em 2009 pela presidente/a Michelle Bachelet, é um espaço com o objetivo de dar visibilidade "às violações dos direitos humanos cometidos pelo estado chileno entre 1973 e 1990". Corajosa, a Michelle. Declarou-se pró-escolha no tema do aborto, e isso em um país católico. E encarou esse passado sombrio. Alô, Dilma! Uma modesta eleitora pede que você olhe pra Michelle nesses dois itens!!
O acerto do museu começa em sua localização. É praticamente dentro de uma estação do metrô. Quem salta na estação Quinta Normal quase que cai na entrada no museu. E a entrada é gratuita. Ou seja, sem desculpa: está lá pra ser visitado.
Logo ao entrar, um painel com diversos exemplos de comissões de verdade e medidas reparatórias: da Alemanha aos países africanos, o que tem sido feito para se minimizar e conhecer os erros do passado? Quem não está no painel? O Brasil, por omissão do museu ou porque não enfrentamos direito ainda esse fantasma recente?
Daí pra frente a visita não é pros fracos. O museu é basicamente mídia e logo na primeira sala temos um filme da tomada do Palácio de La Moneda em 11 de setembro de 1973. Para quem havia visitado o palácio um dia antes, foi de lascar vê-lo incendiado. Mas pior, de cortar o coração foi ver dois soldados trazendo o corpo de Salvador Allende enrolado num cobertor, como um indigente. São muitos os vídeos e imagino que alguns tenham ficado escondidos por anos. Por conta do entusiasmo da eleição do Allende, havia muitos estrangeiros em Santiago (como já mostraram os filmes Missing e A culpa é do Fildel, de Gavras pai e Gavras filha). E muitos filmaram o que se passou naquele dia sem saber bem o que estava rolando. Há um cinegrafista que anuncia que as tropas estão chegando possivelmente para defender o presidente...
O discurso final do Allende é de quem sabe que vai morrer, tocante, emocionado. Mas o que mais surpreende são os discursos dos militares. No primeiro pronunciamento do golpe, ouvimos que o Chile precisa da ajuda de todos menos, claro, dos marxistas! "Pura broma", ouvi do meu filho e das minhas sobrinhas. Parece mesmo broma (piada), mas em 1973 isso equivalia a uma sentença de morte. Como parece hoje piada saber de uma conhecida dos meus pais que foi ao enterro do Neruda (que infartou 12 dias depois do golpe) e até hoje não voltou. Pois é.
Foi legal visitar o museu acompanhada de jovens entre 16 e 21, que ficaram bastante impressionados. Eu fiquei e não sou chilena, nunca fui presa ou torturada, não perdi ninguém por política. E saí de lá com um nó na garganta do tamanho de um elefante. Saímos todos. Imagino o que é a visita para quem de fato sofreu o golpe, se recolheu ao toque, teve alguém desaparecido no estádio. De lascar.
"The past is a foreign country: they do things differently there", escreveu L.P. Hartley em um livro que eu adorava quando adolescente. Sim, o passado recente pode ser mesmo um território estranho, mas vale a visita. Nem que seja pra respirar fundo ao sair e olhar o céu.
As imagens são de internet, pois não pude fotografar nada no museu.
Ah! E a arquitetura é bárbara.







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