quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Cartagena de las Indias

Há poucas coisas das quais eu acho que entendo um pouco, e entendo de centros históricos. Já estudei alguns, já visitei vários. Em qualquer cidade, minha primeira tarefa é visitar a parte antiga, seja lá o que cada localidade assim chame: um casco viejo é sempre algo que me tira de casa para conferir. Ainda assim Cartagena me pegou no contrapé, reservou muitas e agradáveis surpresas. Fiquei hospedada na cidade murada - amuralhada como eles dizem - algo entre Parati, Salvador e Havana, mas muito mais bonita.
A cidade é um porto e é a Colombia negra, e as marcas desse passado portuário, pirata e de escravidão ecoam por diversos pontos. O arruamento é árabe, o que em poucas palavras quer dizer que há uma falsa simetria, pois quando menos se espera uma rua dá uma "quebradinha", uma "entortada" leve, de poucos graus e pronto: relações cartesianas, paralelas e perpendiculares, tudo isso vai pro brejo! O resultado é que me perdi todos os dias, o que numa cidade tão bonita é uma benção. Quando eu tomava o muro como referência, era ainda pior, pois vemos o muro de diversos pontos. Essa que vos escreve, pouco dotada pelos deuses com senso de direção, se perdia até para ir à padaria. Claro que aproveitava para um passeinho antes de me achar, e achar a Mila, a melhor panaderia da cidade, onde comia muito bem e tomava sucos batidos com polpa de côco verde, uma perdição. Melhor ainda, só uma enoteca em frente, perfeita para um espumante ao cair da tarde e uma livraria na esquina: livraria com bons livros, café colombiano bem tirado e nenhuma empostação.
Gabriel Garcia Marquez reina nesta, em todas as livrarias e na cidade, só perdendo para Simon Bolivar, onipresente nas praças, imagens e narrativas. Tentarei juntar os dois ícones em minha cabeça lendo El general en su labirinto.
O labirinto cartagenero presenteia o visitante com uma rua mais bonita do que a outra.Tem cor em tudo, não como o Pelourinho baiano que ficou muito fake à época de sua revitalização, ainda que a praga do financiamento das fábricas de tinta, essas parcerias do tipo "cores da cidade"também ronde Cartagena. Mas por enquanto as cores ali são mais orgânicas, casas descoradas ao lado de outras de tons fortíssimos, com combinações esdrúxulas e estados de conservação variados.
Varandas e mais varandas, gelosias, muxarabis, portas imensas com sinetas em forma de animais, cores e mais cores sob um sol que queima os olhos de tão claro. As coisas vão mudando de tom, ganhando luz e sombra ao longo do dia, assim como a cidade. Preguiçosa ao amanhecer, nada ali começa muito cedo, Cartagena parece que vai acordando com o passar das horas, e a impresão é que comércios, pessoas, atividades vão brotando, aumentando ainda mais o efeitos surpresa dos roteiros a esmo.
Cartagena é Caribe. Claro que eu sabia disso, assim como estava preparada para estórias de pirata, fantasmas de Francis Drake. Mas ao lá chegar caiu a ficha, não apenas pelo tom inacreditável do mar que já vi da janela do avião, mas pelo tanto que a cada esquina em me lembrava de Cuba, tanto de Havana como de Santiago, cidade de Ibrahim Ferrer que conheci muito bem há mais de uma década. Se eu passeava por aquelas ruas sem comércio cantarolando "Eu vim da Bahia", de tanto que elas me lembravam Salvador, dessa vez a sensação foi de estar numa Cuba em vias de globalização.
Penso que conheci Cartagena no momento certo, antes talvez tivesse sido ainda melhor. Uma noite uma conhecida me mostrou o predinho republicano onde viveu por anos, onde nasceu sua filha caçula e que lá pelas tantas foi comprado pela rede Sofitel. Inquilina, ela teve que deixar o apartamento e por conta dos preços infacionados ela, como tantos outros, não pôde mais morar intramuros. Parece que esse sutil processo de gentrification -- sim, é sutil -- está se espraiando e notei no Getsehmani, o bairro dos trabalhadores e seus ofícios, uma certa tensão nomeada nos muros, ao lado de uma interessante arte urbana.
Vamos ver o que acontecerá nos próximos anos, pois se Cartagena nada tem do coté parque temático que identifico com triteza em alguns centros históricos, a Colombia está jogando todas suas fichas no turismo. O que posso dizer se cativada por tanta propaganda fui para lá? O futuro desse lugar lindo pode ser uma caixinha de surpresas e espero voltar pra checar.
Tem uma outra Cartagena, mais Miami, mais Barra da Tijuca que só vi de longe. Centros históricos têm imã.
Depois eu volto pra falar do mar e das ilhas.




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