Claude Lévi-Strauss, em alguma página iluminada do seu Tristes Trópicos escreveu que uma viagem nos desloca em cinco dimensões: as três do espaço, o tempo e a de classe social. Na França o professor de liceu era pobre, aqui parecia rico. Perdoem-me pela citação de memória, seu texto é infinitamente melhor, mas é o que me ocorre quando penso que já fui ao Vietnã.
Nunca, antes ou depois eu entendi de modo tão incisivo a experiência do deslocamento. Não porque meus dólares ali virassem milhares de notas da moeda local, mas porque pela primeira vez em me senti totalmente estrangeira.
Devo ser descendente de camaleão, pois em qualquer ponto do ocidente para onde eu vá, acabo me mesclando aos locais. Já fui parada pra pedir informação em Nova York, em Roma, em Paris... e o pior é que muitas vezes, malgrado meu uso claudicante do idioma, dei a rota correta.
Nunca me mesclaria no Vietnã, em primeiro lugar por ser muito alta. "Oh, my darling you are so tall", ouvi a troco de nada numa rua de Hanoi. Mas o estranhamento vai além de uma característica física. É outro lugar mesmo, nada a ver conosco, nada ali é óbvio e não é para os fracos: requer um certo empenho para se começar a gostar. Mas no que gostou, tá roubado, acho que é pra sempre.
Cheguei em Hanoi num final de tarde depois de uma escala longa em Paris (adorável, pois passei na cidade-luz com uma amiga) em um total de 26 horas de avião em classe econômica (algo melhorou depois que comecei a usar meias compressoras nessas ocasiões). Eu achava que não sofria de jetlag, mas dessa vez ele bateu com força. Desmaiei. Ao acordar, louca por um banho, havia um inseto inominável no banheiro. Chamei alguém do hotel pra matar e me dei conta de que eles, budistas, não matavam, pois aquele bicho horroroso era uma "criatura de Deus, como eu e você". Meus conhecidos simpatizantes do budismo acham que é só vocalizar OM e pregar um desapego de butique...
Bom, mudei de quarto, o inseto não foi atrás de mim e me preparei pra começar a conhecer Hanoi. O primeiro dia foi péssimo. Ainda sob o efeito do cansaço, comecei a explorar o centro. Meu hotel ficava perto da porta da cidade e eu fantasiei que era um lugar lindo e não era. O guia The Lonely Planet descrevia uma área onde uma rua vendia sapatos, a outra espelhos e... sim, sapatos made in China, espelhos de banheiiro industrializados, e eu a me perguntar o que fazia ali se as ruas comerciais de São Paulo (25 de março e outras) eram tão pertinho...
Mas chegou a hora do almoço e tudo começou a mudar. No Vietnã se come muito bem por muito pouco. Comecei por um restaurante indicado na ótima página de turismo no New York Times online e fui parar num lugar lindo, uma casa dos anos 1920, onde entendi o que a colonização francesa fez quando se uniu a uma cozinha oriental tradicional. Um café bom - e o do Vietnã é ótimo - tem o poder de mudar um pouco minha perspectiva das coisas e continuei a explorar o centro, sem mudar muito de opinião.
Atravessar a rua era a grande aventura da viagem. Eles desenvolveram uma técnica corporal de nunca parar. O pedestre vai atravessando enquanto carros, muitas motos tipo lambreta/vespa, bicicletas e tuctuc (as bicis que levam passageiros) vão negociando seu lugar no espaço da rua e no fim tudo dá certo. Dizem que quando não dá, dá muito errado, mas não vi nenhum acidente.
Acho que todo vietnamita tem uma moto dessas e elas tomam conta de tudo, inclusive das calçadas. Mas são o melhor meio de transporte. É só combinar com o motorista cde um mototaxi o lugar e o valor, colocar o capacete e entregar. O motorista vai conversando num inglês bem mais ou menos enquanto desvia de outras motos, bicicletas, pedestres... eu sempre descia meio tonta.
De noite, depois de uma posta de atum, eu já me preparava para o dia seguinte, para começar a gostar.
E gostei, mas aí comecei a gostar pra valer.
Nas imagens, o tal restaurante que me fez mudar de idéia e a rua que se tornou a minha preferida: Pho Ma Mai. Preferida, entre outras coisas, por ter um café imperdível.
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