sexta-feira, 25 de março de 2011

Em Marselha, com Le Corbusier

Houve quem me achasse um tanto exagerada, mas tomei o TGV Paris-Marselha por causa de um edifício que eu precisava muito ver. Trata-se da Unité d'Habitation, projeto de 1947 do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. Não deixa de ser um tanto bizarro, mas sei que as pessoas viajam atrás das coisas mais estranhas e para mim, por exemplo, estranho é ir para Fátima, Lourdes ou Aparecida.
A cada um sua peregrinação particular.
A viagem de trem é deliciosa, tem muita oferta para primeira classe, o que torna o trem ainda mais confortável e à medida em que fomos nos aproximando da Provence, o ar, a luz, tudo começou a mudar, deixando bem longe o gelado inverno de Paris.
Ao chegar, um taxi rápido e ao parar o motorista olhou bem e disse "pas beau". Não foi esta a minha impressão imediata: era beau, belíssimo, imponente e impressionante.
Não apenas fui a Marselha por um edifício, como foi lá que me hospedei. Explico: um andar da emblemática Unité virou hotel. Hotel Le Corbusier:
http://www.hotellecorbusier.com/
Assim, morei por um final de semana em um projeto do homem.
Arquitetura é algo para se ver com todos os sentidos. Passei horas examinando os detalhes do edifício, o teto jardim (que infelizmente para mim estava em obras de reparo), cada janela, porta, a relação dos fluxos, os corredores. Tudo exato, bem acabado, perfeito. Mas o melhor era ver que as pessoas vivem ali sem muita pose. Nas entradas e saídas o que eu via era menino com bicicleta, dona de casa com carrinho de feira (ah, as feiras francesas!), gente indo e voltando das atividades diárias.
O edifício foi projetado, festejado e criticado, tudo num mesmo pacote que era o esforço de reconstrução da França no pós-guerra. Muita gente sem moradia, um conhecimento acumulado por parte de diversos arquitetos, uma oportunidade única. Infelizmente nem todo o esforço para dar um lar aos cidadãos aconteceu nesse nível de qualidade e ousadia, e a própria idéia de cidade modernista, radiosa, saiu arranhada dessa dificuldade.




Chegar lá é muito fácil. Uma amigo arquiteto diz que é simplesmente seguir os jovens japoneses de máquina fotográfica. Dá certo. A parada de ônibus (o sistema de transporte de Marselha é uma maravilha) bem em frente se chama Le Corbusier, mas nem precisava. Os jovens saltam do ônibus e já iniciam a bateria de fotos. Um fetiche, sem dúvida.
Mas vale a pena.
Uma vez lá a partir do hotel, conheci um pouco a cidade. Em primeiro lugar, Marselha é luminosa. Emana algo muito claro e quente daquele mediterrâneo, sem dúvida. Na impossibilidade de se engarrafar aquela aura, o negócio era bater perna, caminhar às margens do porto, tomar bouillabaisse, a maravilhosa sopa de frutos do mar, e me dar conta de que toda cidade de porto é meio Bahia. Há algo que amarra Marselha ao Porto, à Salvador, à Cartagena. Uma mescla de gentes, cores e sotaques, e no caso do sul da França uma presença árabe mais visível na cidade do que, por exemplo, em Paris. Em Marselha se come aïoli e outras delícias do norte da África.
Minha volta por Barcelona foi um desastre. Trem ruim, chuva que impedia a vista do mediterrâneo e um festival de grosseria por parte da polícia espanhola na fronteira. Mas nada disso perturbou os três dias em que, entre um gole e outro entendi porque Corbu é tido como um dos grandes arquitetos do século.
Claro que nem todas as intenções foram plenamente cumpridas pelo projeto. Havia uma idéia de uma rua interior, com lojas. Muitos já assinalaram que o francês gosta de fazer feira, do mercadinho do bairro e isso ainda se observa (aliás, estou com eles). A rua interior de lojas ainda existe, mas ao lado do hotel e seu restaurante Le Ventre de l’Architecte, o comércio, pequeno, gravita em torno do personagem Le Corbusier: livraria de arquitetura, guias de viagem, loja de luminárias modernas vintage.
E nada disso parece incomodar os moradores que convivem, sem nenhum esquema especial, com a curiosidade que sua casa desperta.

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